VIDA
Quando apareceu para o Brasil, dentro de um uniforme do Cruzeiro que parecia dois números maior, Ronaldo era tão magro e franzino... e tão dentuço – que parecia um sorriso que, por algum acaso, tinha braços e pernas. Um sorriso que chutava com as duas – em geral com endereço certo. O ano era 1993 – e nem em seus sonhos mais exóticos a mãe de Ronaldo, dona Sônia, poderia imaginar que seu filho – em menos de uma década – se tornaria o mais famoso brasileiro vivo.
Em 18 anos de carreira, Ronaldo se tornou o primeiro craque da era digital – o mais midiático dos jogadores de futebol - e reescreveu de forma peculiar a velha história do menino pobre que ganha o mundo com a bola - e cai em tentação. Ronaldo caiu - e como caiu. E Ronaldo se levantou - e como se levantou..

uma vida de jogador pop star (Foto: AE)
Ele namorou atrizes, visitou zonas de guerra, cumprimentou papa, discutiu com presidente. Ele se machucou uma, duas, três vezes - ficou amigo de astros do rock, foi fotografado em situações constrangedoras. Era magro, engordou. Era feio, ganhou estilo. Casou em castelo francês, foi flagrado com travestis, foi televisionado, comentado, badalado em tantos idiomas - que hoje pouca gente se lembra do menino que apenas fazia gols e comemorava de braços e sorriso aberto.
Ronaldo tomou o mundo de assalto... e de repente. Em meros cinco anos - de 1993, quando deixou o Cruzeiro, a 1998 – quando perdeu a primeira Copa realmente sua – o garoto tímido se tornou o rosto planetário do futebol. O sorriso de dentes separadíssimos virou ícone mundial. Ronaldo cresceu em todas as direções, ganhou musculatura, começou a jogar como um trator habilidoso. O apelido de Fenômeno surgiu – e grudou como um sobrenome. E a mais surfável onda futebolística da história se apresentou diante do craque.
Os anos 90 viram um salto quântico do negócio futebol. A partir da Inglaterra, os direitos televisivos do futebol transformaram o esporte num negócio bilionário. Os salários dos jogadores saltaram junto – e com a explosão da internet e das novas mídias – os jogadores viraram celebridades planetárias com rapidez. Na crista desta onda estava Ronaldo Luiz Nazário de Lima, o primeiro craque instantaneamente mundial.
Ronaldo reinou em Barcelona, Madrid e Milão. Depois de ensaiar na fria Eindhoven, virou ET em Barcelona, com arrancadas impressionantes em que parecia carregar e atropelar zagueiros. Ali nasceu a marca R-9, cuidadosamente concebida pelo fabricante de material esportivo que cedo assinou um contrato vitalício com o craque.
Namoradas famosas, noitadas e trabalho como embaixador da ONU
Ronaldo vendia. Vendia chuteiras, shorts, camisas. Vendia saúde, energia, bem-estar. Outdoor e caixa registradora ambulante, o jogador virou capa de revistas dos mais variados temas. Abriu até um bar no Leblon, na zona sul do Rio de Janeiro, com o nome R-9. E, inesperadamente, o Barcelona resolveu vendê-lo no auge – em vez de reajustar seu salario – e Ronaldo se mudou – com 22 anos para a Internazionale de Milão, a capital italiana da moda.
Com a fama, vieram as namoradas famosas. A primeira foi a atriz Suzana Werner.
Com ela, começou a surgir um novo Ronaldo – elegante, com roupas de grife, óculos estilosos – e um certo jeito celebridade de ser. O menino politicamente correto começou a sair de campo – e a dar lugar a um homem com opiniões nem sempre certinhas – e horários nem sempre normais.
O casamento com Suzane acabou – e outra loira entrou em campo – a jogadora de futebol Milene Domingues. Com Milene, Ronaldo teve seu primeiro filho – Ronald – e começou a enfrentar de vez o lado chato da fama. Os paparazzi italianos começaram a cercá-lo – e a farejar suas primeiras noitadas.

Fora de campo, Ronaldo só crescia. Em 2000, ele recebeu e aceitou o convite das Nações Unidas para se tornar o Embaixador da Boa Vontade. Visitou Israel e os territórios palestinos - e se reuniu com líderes dos dois lados. Visitou Kosovo, ex-república sérvia maltratada pela guerra, desfilou em cima de um blindado, abraçou criancinhas e foi entrevistado por veículos do mundo inteiro. Em território kosovar, ele doou um cheque de 30 mil dólares para uma escola – e falou como gente grande:
- Ninguém deve ser condenado a uma vida de pobreza – seja por nascimento ou por causa de guerra. Quero dizer que todos podemos ajudar – e fazer algo para que os outros melhores suas existências.
Amigo de Bono Vox, personagem dos Simpsons, marido de Cicarelli

Ficou amigo de atores e cantores, parceiro de Bono Vox, vocalista do U2. Participou de desfiles de moda, carregou tocha olímpica, se tornou até personagem dos Simpsons. Esteve no Haiti com a seleção brasileira - e foi parte do frenesi inacreditável que tomou a ilha. A vida de celebridade trazia, porém, tentações muitas. O casamento com Milene desmoronou – e o bom moço começou a sair decisivamente de campo.
Em 2004, Ronaldo começou a namorar a apresentadora de TV Daniela Cicarelli – lindíssima morena de olhos verdes – e se encantou de tal forma que resolveu bancar um casamento de conto de fadas. Pagou 20 mil euros (quase R$ 50 mil reais) pelo aluguel de um castelo francês – o Chateau de Chantilly – para a cerimônia. E assim foi – há exatamente seis anos – no dia 14 de fevereiro de 2005. Mas a parte do viveram-felizes-para-sempre durou apenas três meses. E Ronaldo sentiu o baque. Quando Cicarelli foi flagrada em cenas cálidas numa praia espanhola com um novo namorado, menos de um ano depois, o Fenômeno acusou o golpe:
- Ali eu sofri. Eu ainda estava apaixonado por ela.

(Foto: Arquivo / Diário de S. Paulo)
Depois de duas contusões seríssimas – e da redenção na Copa de 2002 – Ronaldo voltou para a Espanha – para jogar nos galáticos do Real Madrid – ao lado de Zidane, Figo, Beckham e Roberto Carlos. Mas sua carreira começou a virar o fio. O super-time madrilenho não conquistou nenhum titulo importante – e Ronaldo começou a ganhar... peso. Os humoristas do Casseta & Planeta não perdoaram – e criaram o personagem Ronaldo Fofômeno, um obeso dentuço vivido por Bussunda.
Veio a Copa de 2006. Quem viu Ronaldo em 1993, magrelo, quase um fiapo, humilde e incapaz de dar uma declaração fora da linha... dificilmente imaginaria que um dia o Fenômeno seria chamado de gordo – e teria capacidade de discutir com presidentes. Mas em 2006, o menino já tinha virado homem. Quando Lula perguntou sobre sua obesidade antes da Copa da Alemanha – Ronaldo pegou de sem-pulo:
- Se ele disse que eu estou gordo... todo mundo diz que ele bebe pra caramba...
Era celebridade contra celebridade – e o dentuço de Bento Ribeiro não levava mais desaforo pra casa. O excesso de lesões e de peso, porém, já tinha desidratado o Fenômeno – a explosão muscular, as arrancadas incríveis tinham ido embora. Ronaldo fez três gols, se tornou o maior artilheiro de todas as Copas (com 15) – mas o Brasil caiu diante de novo da França de Zidane. E o peso da derrota caiu sobre Ronaldo - e sua nova e inclemente adversária, a balança.
O momento mais triste: detido ao lado de travestis em um motel

de 2008 no Rio (Foto: Globoesporte.com)
Ronaldo voltou para Milão – para o Milan – e para as lentes dos paparazzi – que o seguiam em praias espanholas, ilhas gregas, boates por toda parte. A terceira lesão de joelho sacramentou o fim de sua carreira européia. O craque se operou em Paris – e pouco depois deixou o Milan. Veio treinar no Flamengo – seu Flamengo de coração – onde sempre disse que queria jogar. E com a camisa do Flamengo, depois de torcer no Maracanã pelo time e deixar a namorada Bia Anthony em casa – passou seu momento mais triste: foi detido num motel ao lado de três travestis. A celebridade mundial se transformou em anedota universal.
O impacto na imagem do Fenômeno foi imensa. Ronaldo virou motivo de piada em blogs, micro-blogs, gerais e arquibancadas. Gritos de torcida, vídeos no youtube, gracinhas no twitter. Mas, como sempre, Ronaldo se levantou da lona. Em 2009, surpreeendeu a todos e assinou com o Corinthians – em vez do Flamengo – e mesmo se metendo em outra confusão noturna – desta vez em Presidente Prudente, onde o time se concentrava – conseguiu dar sua enésima volta por cima. Jogou muito contra São Paulo e Santos e foi decisivo para a conquista do Campeonato Paulista. Depois faturou a Copa do Brasil em cima do Internacional.
Mais que isso – botou o Corinthians no mapa mundial do futebol. Quando o ator Hugh Jackman (de Wolverine) veio ao Brasil – foi ao Parque São Jorge – visitar Ronaldo. Demi Moore e Ashton Kuchtner? Um alô para Ronaldo. Desfile de moda? Ronaldo Fashion Week. Em São Paulo, o craque digital esteve por toda parte.
Veio 2010, e Ronaldo começou a usar o twitter – e faturar com isso. Vendeu sua página no microblog para uma operadora de telefonia – e mostrou seu talento digital – usando a internet como ferramenta de marketing e opinião. Chegou a 1,2 milhão de seguidores. Dentro de campo, porém, o Corinthians foi mal.

O sonho da Libertadores terminou ironicamente diante do Flamengo. E o time ficou no quase no Brasileirão. Ronaldo foi pai novamente – de duas meninas – com a agora esposa Bia Anthony. E assumiu um outro filho, fruto de uma relação veloz ocorrida em 2006 com uma brasileira que morava em Cingapura quando o seu Real Madrid fez uma pré-temporada no Japão, onde a moça trabalhava. Em 2010 ainda, o craque ouviu um conselho do apresentador Fausto Silva, o Faustão, e abriu a "9ine", uma parceria com o grupo inglês WWP e com o empresário Marcos Buaiz. Em 2011, a empresa já fechou contrato para administrar a carreira do lutador Anderson Silva – destaque brasileiro do MMA.
- O Faustão me disse para investir numa empresa de marketing e consultoria esportiva. Quero dar consultoria a jogadores de futebol que mal sabem fazer seu imposto de renda – disse em entrevista à revista Istoé Dinheiro.
A evidente derrota para a balança – e o custo cobrado pelo peso dentro de campo – cobraram a derradeira conta. A eliminação diante do Tolima na pré-Libertadores de 2011 afetou sua relação com a Fiel torcida corinthiana. Ronaldo, campeão do mundo, joelhos baleados, inúmeras lesões musculares, concluiu que era hora.
Nos últimos dias, Ronaldo vinha trocando carinhos via twitter com Neymar. No jovem craque do Santos - Ronaldo talvez tenha percebido, algo nostalgicamente, a imagem daquele menino franzino de 1993 – o sorriso com pernas e braços. O tempo passa até para os Fenômenos. Ronaldo, o jogador, é passado, quem diria... Ronaldo II, o pós-jogador, já entrou em seu lugar.